O investimento e o Euro
Se até há 10 anos os recursos destinados ao investimento eram quantitativamente suficientes – o que depois deixou de se verificar…
O investimento e o Euro
Avelino de Jesus
Se até há 10 anos os recursos destinados ao investimento eram quantitativamente suficientes – o que depois deixou de se verificar – a qualidade dos investimentos efectuados há muito que deixara de ser a necessária.
A tabela abaixo resume a evolução do investimento na zona euro, ante e após a criação deste.
Até á entrada na zona euro o investimento português era suficiente mas mal orientado. Depois passou a padecer dos dois males: insuficiência e má qualidade.
Até 2000, o investimento nacional era, em percentagem do PIB, o segundo mais elevado da zona: 25,4% contra a média de 22,1%, só sendo ultrapassado pela Eslováquia. Mas já nessa altura, o nosso investimento não habitacional – onde se incluem as componentes realmente produtivas do investimento – era o segundo mais baixo: 12,0% contra 16,8% em média da zona e ao lado da Grécia com 11,9%. Em 2000 chegamos a ter um diferencial de quase 7% em relação à média: 27,1% em Portugal, a mais elevada das taxas, contra 20,5%.
A seguir ao euro registou-se o empobrecimento, não só quantitativo como qualitativo do investimento. O investimento global desceu para níveis já abaixo da média e o investimento não habitacional caiu para um nível que é o mais baixo da zona: 10,6% contra 16,7%.
Os últimos dados conhecidos sobre o investimento, revelam que a crise financeira em curso revelam veio piorar a nossa situação.
A quebra do investimento foi de -13,6% em 2009 em Portugal contra -11,6% na zona euro. Para 2010 as previsões da Eurostat indicam -3,7 % e -1,1%, respectivamente, para Portugal e a média da zona euro.
As condições de criação e de funcionamento iniciais do euro, potenciadas pela política económica interna, levou à quebra do investimento e ao agravamento da sua já sofrível qualidade. A recomposição em curso das condições de funcionamento do euro acelerada pela erupção da crise grega obriga a repensar seriamente as vias que restam à economia portuguesa para inverter esta situação.
O investimento na zona euro
(Valores em percentagem do PIB – médias dos períodos indicados)
Países da zona euro | formação bruta de capital fixo (FBCF) | |||
---|---|---|---|---|
FBCF Total | FBCF Não habitacional | |||
1996 – 1999 | 2005 – 2008 | 1996 – 1999 | 2005 – 2008 | |
Grécia | 19,0 | 22,2 | 11,9 | 14,5 |
Portugal | 25,4 | 21,9 | 12,0 | 10,6 |
França | 18,0 | 20,8 | 13,9 | 16,1 |
Itália | 19,2 | 20,9 | 15,3 | 16,6 |
Espanha | 22,7 | 30,4 | 17,7 | 21,2 |
Eslováquia | 32,7 | 26,4 | 30,2 | 23,8 |
Irlanda | 20,8 | 26,6 | 13,8 | 13,2 |
Bélgica | 20,1 | 21,0 | 20,1 | 21,0 |
Alemanha | 21,2 | 18,1 | 13,8 | 12,7 |
Áustria | 23,9 | 21,9 | 17,6 | 17,3 |
Finlândia | 18,4 | 19,5 | 13,9 | 13,8 |
Holanda | 22,2 | 19,5 | 16,4 | 13,3 |
Luxemburgo | 21,8 | 19,5 | 18,9 | 17,3 |
Eslovénia | 24,5 | 26,4 | 20,4 | 22,4 |
Média da Z. Euro | 22,1 | 22,5 | 16,8 | 16,7 |
Fonte: OCDE
Para início de reflexão, devo notar quatro pontos fundamentais.
Primeiro: os deficits públicos e externo não serão mais possíveis. Os sucessivos alertas pelos poderes públicos alemães e as condições de funcionamento da respectiva política interna deitaram por terra a esperança de alguns que julgavam poder prolongar a anterior situação de “protegidos” pelo euro.
Segundo: os países do euro com excedentes externos, em especial a Alemanha, não vão sacrificar os seus empregos e a competitividade das suas economias para aumentar artificialmente as exportações dos países com deficits, com é o caso português. Pese embora as quixotescas iniciativas de muitos – entre os quais o inevitável prémio Nobel Paul Krugman – que julgam ser dever da Alemanha, para a Europa , e da China para o mundo tomar a seu cargo o crescimento económico e a solução para as incompetências dos decisores políticos das economias enfraquecidas, é certo que não há escapatória para a resolução interna dos problemas de cada um.
Terceiro: a redução dos salários e o aumento das exportações não são instrumentos adequados. Este não poderá ser suportado principalmente pelas exportações. O mercado interno deverá crescer. Os salários não deverãoestagnar por 3 razões. Quer por razões de mercado, quer como condição de aceleração da inovação e mudança, quer ainda como exigência para a fixação dos trabalhadores qualificados, necessários ao crescimento do investimento.
Quarto: o recuo do Estado a efectuar-se, como se corre o risco, de forma desordenada poderá agravar os problemas. O emagrecimento do Estado se não for acompanhado com a reconstrução do seu aparelho técnico, destruído por vagas sucessivas de comissários e “assessores” políticos.
As privatizações efectuadas à pressa, com a pressão de realizar receitas a todo o custo, não são virtuosas e podem mesmo levar a escolhas erradas.
Tomemos o exemplo das previstas privatizações da REN e dos CTT. A necessária redução do peso do Estado não deveria optar por estas empresas antes de outras mais urgentes, como por exemplo a CGD e a RTP. Estas são empresas de sectores em concorrência onde a presença do Estado suscita as maiores tentações de desbaratamento dos recursos públicos e de utilização indevida das suas potencialidades. Pelo contrário, os CTT e a REN, como até a esquerda com menos cultura económica já descobriu, são, no essencial, monopólios naturais. Estes, não sendo de todo insusceptíveis privatização com vantagens públicas, levam a que a propriedade privada apele a uma regulação pública de qualidade que, manifestamente, está fora do alcance do actual aparelho de Estado. Pelo contrário, os sectores da banca e da televisão não sofrem destas exigências as empresas mencionadas poderiam ser enquadráveis e disciplinadas, com benefícios públicos, pelo mercado já a funcionar.
Olhar apenas para a Europa de forma acrítica, esperando que daí venham as soluções é perigoso.
A redução da zona euro á zona geográfica próximo da Alemanha, por iniciativa desta, é uma possibilidade real que não pode ser ignorada. É certo que não é do nosso interesse um tal cenário. Mas o recurso a outros instrumentos, no âmbito da permanência no euro, deve ser encarado. Por exemplo o recurso ao FMI para solucionar situações de aperto pode ser preferível às incertas e exigentes soluções “europeias “ como a Grécia está a realizar recentemente (2).
(1) O presente artigo é o terceiro e último de uma série de 3 dedicada à análise da poupança e do investimento no contexto da actual crise das finanças públicas portuguesas.
Grécia: mais de 6% contra poço mais de 1%. Direitos especiais de saque – taxa de 1,26% acrescida de pequena sobretaxa.
(2) O “governo económico europeu” teve, na semana passada, um delicioso afloramento. Antecipando a cimeira europeia de 25 e 26 do corrente mês, o primeiro ministro grego, ordenou que se aceitasse a entrega de um submarino encomendado à empresa alemã ThyssenKrupp, pondo assim fim a uma recusa, desde 2006, devido a deficiências das provas de mar. E o governo grego não se ficou por aí: encomendou 2 submarinos adicionais para acrescentar aos 3 que já haviam sido construídos desde 2000 pelo mesmo grupo. Por outro lado, foram encomendados, agora à França, 6 novas fragatas. Vale lembrar, também, que o “desprestigiante” recurso ao FMI significaria, para um programa de austeridade semelhante, suportar uma taxa de juro padrão de 1,26%, acrescida de pequena sobretaxa; este custo compara com os mais de 6% que os gregos actualmente estão obrigados a pagar aos bancos europeus nas recentes emissões de dívida pública.
Director do ISG – Instituto Superior de Gestão