Nas últimas semanas têm sido amplamente comentados os salários e prémios dos gestores das grandes empresas nacionais – sobretudo das utilities da energia e das telecomunicações – onde o Estado exerce forte influência…
JN 4 Maio 2010
Avelino de Jesus
Nas últimas semanas têm sido amplamente comentados os salários e prémios dos gestores das grandes empresas nacionais – sobretudo das utilities da energia e das telecomunicações – onde o Estado exerce forte influência. Desde os media até às forças políticas e aos poderes públicos, nos seus vários escalões, ninguém escapou à tentação. Estranhamente, quase todos confluíram no mesmo sentido: considerar injustificadamente elevadas – e mesmo escandalosas – aquelas remunerações.
Tirando as inevitáveis referências ao período de crise e à desigualdade face aos salários médios, faltaram argumentos sólidos para a forte qualificação de escandalosos atribuída aos valores em causa.
Estes pronunciamentos consensuais são altamente nocivos, por duas razões. Primeiro, alimentam, com consequências muito negativas, o terrível defeito nacional da inveja social e individual. Segundo, desfocam os verdadeiros problemas relacionados com o funcionamento das utilities: os preços elevados suportados pelos consumidores e pelas empresas.
Esta irrupção de inveja não separa os meros comissários políticos dos qualificados gestores profissionais – alguns com carreiras construídas a pulso no mercado internacional – que, com brio, executam os objectivos fixados pelos accionistas e os poderes públicos. Estes ataques desqualificam aos olhos da opinião pública o trabalho e a relevância social da alta gestão. Dão um sinal errado aos nossos jovens em início de carreira. Ignoram a importância da gestão como factor fundamental da produtividade e, em geral, da competitividade. Desprezam a elevada mobilidade internacional dos gestores. Por fim, não realizam que a aguardada reestruturação do aparelho do Estado não poderá evitar a qualificação da alta administração pública e o consequente substancial aumento das suas remunerações (teimosamente persiste-se em não aprender com o caso bem recente da administração fiscal).
Mas, hoje quero alertar para a necessidade de focar os verdadeiros problemas dos sectores das empresas em causa e sublinhar que o problema de competitividade se sobrepõe a tudo resto, como a actual crise dramaticamente nos está a lembrar.
Os sectores da energia e das telecomunicações representam um papel muito relevante na competitividade da economia. São indústrias essenciais, atravessando fortemente toda a malha da matriz de relações inter – sectoriais, e são elemento muito relevante do consumo final das famílias. Estes 2 sectores contribuem, em conjunto, com cerca de 10 % para a formação dos preços nacionais, o que compara com os pouco mais de 20% da massa salarial nacional. (Esta não tem a importância relativa que, frequentemente, se lhe atribui; devemos recordar que o custo médio do trabalho é, em Portugal, 49% do registado na EU, contra 63% no caso da produtividade aparente do trabalho; o problema com o factor trabalho não é o seu custo mas a sua inflexibilidade e imobilidade. )
Oferecer preços competitivos às empresas e aos consumidores é, nestes sectores, fundamental. É sobre este ponto que deve ser desenvolvido um debate informado.
Como ponto prévio há que conhecer com rigor os preços que verdadeiramente suportamos, comparando-os com os dos nossos principais parceiros.
O artigo de hoje fica-se por este singelo contributo: oferecer o panorama actualizado dos indicadores representativos dos preços da energia e das telecomunicações.
Deixo ao leitor, na tabela anexa , a informação que lhe permite verificar a carga que o actual funcionamento destes sectores representa para a economia nacional. Escolhi dois indicadores de preços: o preço real, relevante para as empresas, e o preço – trabalho, fundamental para o consumidor final.
Preços da energia e das telecomunicações na UE15
(Ordenação pelo preço – trabalho do telefone)
Países | Preço real em euros (a) | Preço – trabalho em minutos (b) | ||||||||
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Telefone: 10 m para os EUA2008 |
Electricidade: 1 Kwh2009 |
Gasóleo industrial 1 Kg 2009 |
Gasolina premium 1 L 2009 |
Telefone: 10 m para os EUA2008 |
Electricidade: 1 Kwh2009 |
Gasóleo industrial 1 Kg 2009 |
Gasolina premium 1 L 2009 |
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Famílias | Indústria | Famílias | Indústria | |||||||
Portugal | 3,55 | 0,15 | 0,11 | 0,41 | 1,27 | 25,0 | 1,0 | 0,7 | 2,9 | 9,0 |
Grécia | 3,12 | 0,11 | 0,10 | 0,29 | 0,90 | 15,4 | 0,6 | 0,5 | 1,5 | 4,4 |
Finlândia | 3,85 | 0,08 | 0,05 | 0,24 | 0,92 | 11,7 | 0,2 | 0,2 | 0,7 | 2,8 |
Itália | 2,01 | 0,16 | 0,10 | 0,26 | 1,05 | 7,3 | 0,6 | 0,4 | 0,9 | 3,8 |
Reino Unido | 2,29 | 0,14 | 0,11 | – | 0,95 | 7,3 | 0,4 | 0,3 | – | 3,0 |
França | 2,10 | 0,08 | 0,06 | 0,21 | 0,99 | 6,3 | 0,3 | 0,2 | 0,6 | 3,0 |
Espanha | 1,65 | 0,14 | 0,12 | 0,28 | 0,91 | 6,2 | 0,5 | 0,4 | 1,1 | 3,5 |
Áustria | 1,89 | 0,13 | 0,09 | 0,09 | 0,88 | 5,1 | 0,4 | 0,2 | 0,7 | 2,4 |
Bélgica | 1,85 | 0,13 | 0,09 | 0,20 | 1,06 | 5,0 | 0,3 | 0,2 | 0,5 | 2,9 |
Irlanda | 1,54 | 0,14 | 0,09 | 0,17 | 0,75 | 5,0 | 0,5 | 0,3 | 0,5 | 2,4 |
Dinamarca | 1,69 | 0,09 | 0,05 | 0,21 | 0,81 | 4,9 | 0,3 | 0,2 | 0,6 | 2,3 |
Luxemburgo | 1,15 | 0,14 | 0,09 | – | – | 3,0 | 0,4 | 0,2 | – | – |
Suécia | 0,88 | 0,09 | 0,06 | 0,52 | 0,87 | 2,6 | 0,3 | 0,2 | 1,6 | 2,6 |
Holanda | 0,66 | 0,14 | 0,09 | 0,19 | 1,18 | 1,7 | 0,4 | 0,2 | 0,5 | 3,0 |
Alemanha | 0,28 | 0,14 | 0,09 | 0,23 | 1,11 | 0,7 | 0,3 | 0,2 | 0,6 | 2,7 |
Média | 1,90 | 0,12 | 0,09 | 0,25 | 0,98 | 7,2 | 0,4 | 0,3 | 1,0 | 3,4 |
Fonte: Cálculos do autor; dados brutos: Eurostat e OCDE.
a) Preço real: preço nominal ponderado pelo indicador do nível geral de preços do país.
b) Preço – trabalho: tempo de trabalho necessário para pagar o preço nominal, tomando o salário médio na indústria.
O país já suporta os inevitáveis sobrecustos da sua situação periférica. Não pode continuar a aceitar os enormes, mas compressíveis, custos da energia e das telecomunicações.
Reflectindo um pouco sobre estes dados, julgo que escapará a poucos, mesmo aos não especialistas, a percepção da forte necessidade da mudança nas políticas públicas e no funcionamento dos aparelhos de regulação e de concorrência sobre estes sectores.
Director do ISG – Instituto Superior de Gestão