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Conforme seria expectável, nas últimas eleições para o parlamento europeu, a abstenção assumiu valores máximos em Portugal no período de democracia, aliás em linha com o histórico nestas eleições específicas.

A primeira leitura que é possível fazer é que sendo que apenas um terço do eleitorado votou, revela um profundo desinteresse e desidentificação com as instituições e com os partidos políticos. A segunda leitura é a falta de legitimidade dos eleitos, que não representam, a meu ver, o seu país. Se para legitimar os resultados de um referendo é necessária a participação de pelo menos 50% dos eleitores, então nas eleições, sejam elas quais forem autárquicas, legislativas ou presidenciais, o procedimento devia ser idêntico, ou pelo menos, que a abstenção fosse proporcionalmente representada, isto é, se por exemplo a Assembleia da República tem 230 mandatos, só seriam preenchidos a percentagem relativa à participação eleitoral.

A abstenção ou os votos brancos e nulos são tão legítimos como os votos expressos. Aliás, se somarmos os valores da abstenção (66,10%) aos votos brancos (4,41%) e nulos (3,06%), podemos perceber que 73,57% dos eleitores não se identifica com as actuais propostas e instituições. Apenas 26,43% contribuiu para legitimar os representantes portugueses no parlamento europeu. É caso para pensar se em vez de 21 mandatos que representam quase dez milhões de eleitores, não deviam ter sido só eleitos 26,43% destes, na mesma proporção dos votos…

O apelo à participação eleitoral feito pelos partidos ou até pelo Presidente da República são perfeitamente compreensíveis quando se referem à importância do exercício do direito e do dever de cidadania, mas nunca serão compreensíveis ou aceitáveis, quando se referem ao interesse da legitimação dos políticos. O Presidente da República afirmou que não votar é abdicar de um direito. Há líderes partidários que defendem o voto obrigatório. Curioso que em Portugal habituámo-nos a falar de direitos.

Todos têm direitos, mas parece que ninguém tem obrigações e deveres. Num estado de direito, a cidadania é feita de ambos. As pessoas são livres de abdicar de direitos, mas nunca de obrigações. Não se pode obrigar as pessoas a concordar com um sistema com que não se identificam ou a votar em propostas que nada lhes dizem. Curioso que estes “abdicadores de direitos” constituem hoje a larga maioria dos eleitores, em especial até nas gerações mais novas.

Mais do que os problemas económicos, a grande crise na Europa é que não existem europeus. É uma grave crise institucional e de valores. A Europa institucional estagnou no tempo há mais de uma década. Não existem reflexos práticos das iniciativas do parlamento europeu na vida quotidiana dos cidadãos. A mobilidade e a moeda única (só para alguns) são os ícones mais marcantes de uma Europa a várias velocidades.

Enquanto não existir um orçamento europeu, que promova a verdadeira igualdade fiscal (directa e indirecta) a par de uma centralização de decisões nunca poderá existir uma Europa, continuando a ser um conjunto de países a procurar maximizar os seus interesses individuais.
Reformas institucionais visíveis e com reflexos directos e práticos são urgentes na Europa. Caso contrário, o problema irá persistir, eventualmente agudizar e repetir resultados extremistas como em França ou na Grécia. São as respostas lógicas a um sistema moribundo, legitimadas pelo voto e pelo não voto.

Miguel Varela – Director do ISG | Business& Economics School

 
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