A vitória de Trump nas eleições norte-americanas foi inequivocamente clara, contrariando todas as sondagens e expetativas. O candidato republicano utilizou a estratégia do populismo radical, que derrotou o “status quo e o politicamente correcto” dos democratas.
Surpreendente? Talvez não.
Nos últimos anos, várias vezes escrevi sobre a profunda ineficiência dos sistemas e das políticas tradicionais ocidentais, que falham constantemente em responder a problemas herdados da sociedade industrial e sobretudo dos novos problemas da sociedade global da informação. A União Europeia é um claro exemplo de falhas políticas económicas e sociais constantes. Ao contrário da história clássica, na história contemporânea, é habitual dizer-se que “as coisas acontecem primeiro nos EUA e só depois na Europa”. A vitória de Trump nos EUA será o sinal de mudança na Europa?
Certo é que o mundo será diferente, já que os políticos tradicionais não perceberam o óbvio: os sistemas sociais (gostos, culturas, família, tecnologia…) evoluíram mais depressa do que as instituições que os representam. As ideologias tradicionais já são parte da história e não se adaptam ao mundo novo. O comunismo, o socialismo, a social-democracia foram produto de uma época histórica e conjunturas próprias que agora terminam. O surgimento e crescimento de movimentos e partidos extremistas fora do arco tradicional de governação estão a crescer em todo o mundo (Grécia, Espanha, França, Áustria, …). Não são as instituições que mudam o sistema, mas o sistema que muda as instituições e fazem com quem estas se adaptem. Os partidos tradicionais continuam com soluções velhas para problemas novos.
A falta de identificação dos cidadãos, novos e velhos, com o sistema político resulta num divórcio profundo entre representantes e representados. A abstenção na generalidade dos atos eleitorais representa valores abismais por toda a Europa. Que melhor forma de exprimir o desinteresse e desilusão? A abstenção, em democracia, tornou-se tão legítima como o voto, na expressão da vontade.
Uma lição da vitória de Trump pode ser positiva: o princípio do fim do “establishment” e a necessidade de novas respostas, novas ideologias, novas soluções e formas de organização dos partidos e dos estados.
A História não se repete mas tem ciclos. E tem acumulações de estados de espírito, prontas a explodir. Recordo as palavras de Miguel Torga, que podem servir de lição: “É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”.
A História muita vezes ensinou-nos lições de forma dura. Tem que haver um gosto e esforço na aprendizagem.
Artigo publicado no jornal negócios de 10/11/2016 em https://goo.gl/DKV3WO