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Vivemos numa conjuntura caracterizada por uma economia deprimida incapaz de gerar emprego, mas em que alguns conseguiram “ver a luz a o fundo do túnel” nas últimas semanas, em virtude de indicadores “sazonais” discutíveis. A propósito das avaliações da troika relativamente à execução do PAEF, certamente que o Governo tem sido eficiente no seu cumprimento e mais uma vez sairá com nota positiva, como bom aluno que se esforça por ser. Porém a eficácia das medidas até agora aplicadas têm resultado num agravar permanente das condições de vida dos portugueses, em especial no seu empobrecimento e desmotivação. Os indicadores que seriam importantes mostrar resultados positivos, teimam em ser piores a cada mês que passa e sem sinal de inversão, nomeadamente o deficit orçamental, o desemprego, o rendimento ou a dívida pública, que já ultrapassa 130% do PIB. 

A solução do Governo continua a ser a manutenção de uma das mais elevadas cargas fiscais da Europa em simultâneo com cortes nas pensões ou no número de funcionários públicos. Sobre a reforma do Estado, nada, absolutamente nada. O aumento da idade da reforma para 66 anos, a redução de mais de 1000 freguesias (e as câmaras municipais???) ou a equiparação das 40 horas de trabalho dos funcionários públicos ao sector privado, são medidas positivas, mas nunca podem ser consideradas “reformas estruturais” com as quais o Governo apenas tem conseguido criar clivagens na sociedade portuguesa entre reformados/pensionistas e trabalhadores no activo, entre funcionários públicos e privados, entre desempregados e empregados, entre velhos e novos, entre ricos e pobres…

O essencial continua por discutir-se: que funções desejamos no futuro para o Estado, sabendo que é insustentável com a configuração e peso actual? Mais do que uma questão ideológica, é uma questão imposta pela necessidade das circunstâncias. Não é possível manter o actual Estado, devido a razões não controláveis a curto ou médio: a demografia, a economia, ou a sociedade global em que vivemos. Enquanto não se reformar o papel do Estado na saúde, na educação, na segurança social, não haverá forma de reduzir deficit orçamental ou travar o crescimento da dívida pública. O facto de nunca ter existido uma preocupação com a sustentabilidade do Estado e com a sua reforma e adaptação a uma nova realidade económica e social, foi a razão que nos conduziu aos actuais níveis de dívida pública. É um acumular de deficits sucessivos dos orçamentos de Estado desde há décadas. Como o dinheiro que é de todos, acaba por não ser de ninguém, não existe responsabilização, até ao dia em que a situação se torna insustentável.

Continuamos com um governo que prefere aniquilar a procura interna (consumo e investimento) através da diminuição do rendimento disponível das famílias para alimentar o Estado a todo o custo, ainda não tendo percebido que esta situação vai continuar a agravar as insolvências de empresas, o desemprego, o crédito malparado, e, em limite, aumentar a despesa pública ainda mais em prestações apoios sociais.

O Governo tem medo de acabar com o corporativismo tão sedimentado no Estado. Tome-se como exemplo o ensino superior público, a propósito da colocação de 93% dos candidatos este ano. Existem mais vagas do que candidatos, existem cursos sem qualquer aluno, existem centenas de cursos com menos de 10 alunos, existem institutos com taxas de ocupação de 20% e 30%…

Não valerá a pena escrever sobre a falta de visão estratégica de quem planeou a rede de ensino superior público ao longo dos anos 90, mas devemos ser assertivos quando dizemos que as universidades e politécnicos foram feitas a pensar nos estudantes e no país, mas, infelizmente parece que os interesses instalados são os dos professores, dos municípios e outros tais. Também quando se discute a saúde pública, parece dar-se mais importância aos interesses dos médicos, dos enfermeiros ou outros subgrupos instalados, do que aos utentes, que são a razão de ser última do SNS. Também quando se discute o plafond das reformas, parece ser mais importante não ferir os casos especiais e os regimes excepcionais do Estado e de quem faz as leis, do que a sustentabilidade do sistema.

O Estado Social não está em causa, como nunca poderá estar. Tem é que ser repensado. Muitos serviços públicos podem ser prestados por privados e de forma muito mais eficiente e eficaz. Porque não se estuda, por exemplo, a obrigatoriedade de seguros de saúde para todos os cidadãos, sendo os cuidados prestados por privados e regulados pelo Estado? Mesmo que o Estado subsidie a quem não pode pagar pelo mesmo, os dados mostram que a poupança em saúde, pagaria a dívida pública a muito curto prazo. Se o mesmo sistema fosse aplicado à educação, então seria possível diminuir a carga fiscal para valores muito menores que ainda permitiam um superavit do orçamento de estado e um aumento enorme do rendimento disponível das famílias que aumentaria o investimento, o consumo e a produção.

Como diria um amigo meu, se a troika ou os mercados (que também têm interesse) não emprestasse nem mais um cêntimo, talvez obrigasse a resolver o problema de forma imediata… já que a coragem de um governo pseudo-liberal não é suficiente.

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Prof. Doutor Miguel Varela – Diretor ISG
Jornal Negócios, 23 Stembro 2013

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