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No passado dia 14 de Abril foi publicado em Diário da República a Lei n.º 19/2014, que “define as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição”.
O artigo 9.º estabelece que é tarefa fundamental do Estado, entre outras, a defesa da natureza e do ambiente e a preservação dos recursos naturais enquanto o artigo 66.º estabelece os direitos e deveres de e para o Estado para garantir um ambiente equilibrado e a qualidade de vida associada. Talvez por culpa do que vem escrito na Constituição, a leitura da Lei fez-me procurar junto de um dos investigadores do ISG da área da Sustentabilidade, Nuno Oliveira, razões para o meu desconforto.

Desde que a área de investigação em sustentabilidade foi criada no ISG, o que inclusive conduziu à inscrição do ISG como associado do BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (sendo a única instituição de ensino superior associada), que estes assuntos se reforçaram e justificaram claramente a aposta. De facto, conceitos como Capital Natural têm vindo a ecoar nas salas e nos corredores do Instituto.

Assim, e apercebendo-me que este conceito nem vinha definido ou mesmo referido no diploma legal, a minha admiração (pela negativa) fez-me solicitar a já referida opinião. Parafraseando Nuno Oliveira, e após uma análise apurada, “mais uma vez vamos ficar no grupo do meio, dos meninos bem comportados, mas que não passam da mediania”.

Em termos de princípios a lei é ampla e foca-se no essencial quer em termos de recursos como de figuras, embora a do utilizador-pagador possa conduzir a aumentos muito significativos nos custos da água e energia, ainda mais num cenário de privatização de serviços, com riscos para a competitividade.

No que se refere à transversalização de políticas, fala-se em convergência de saberes e ações de monitorização de políticas de modo vago, nada se dizendo sobre a importância da preservação dos bens públicos prioritariamente a benefícios privados, nem sobre a importância de recursos estratégicos.

Mencionam-se os serviços de ecossistemas, biodiversidade, solo e paisagem, mas de forma vaga e muito parametrizada, nada existindo sobre a sua contabilização como bens ou ativos nas contas do tesouro. Seria neste capítulo que entraria o capital natural, sustentado numa estratégia europeia já aprovada desde maio de 2012 (altura em que o diploma agora publicado começou a ser discutido no Parlamento).

Nas componentes associadas a comportamentos humanos, a abordagem das alterações climáticas tem alguns méritos, mas não apresenta instrumentos que materializem o pretendido de forma concreta. Na gestão de resíduos, o mesmo.

Na conciliação das políticas apresenta-se vagamente uma análise estratégica e respetiva cenarização, mas sem se perceber bem o conceito de bens intangíveis e estéticos, e qual o peso que os mesmos têm na ponderação com políticas económicas ou outras.

Nos instrumentos de política do ambiente fala-se em planeamento económico e financeiro, mas sem se perceber quais e como é que os aspetos ambientais poderão ser valorados e com que relevância para as contas públicas, tais como o VAB e o PIB. Numa altura em que notícias recentes referiam que Portugal seria ultrapassado pelo Gabão e por Timor-Leste em termos de riqueza média, esta contabilização e a pressão política internacional para que possa ser relevante a inclusão do capital natural poderiam inverter a nossa posição nos rankings. É bom não esquecer que Portugal é reconhecido como um paraíso da biodiversidade!

No que se refere a instrumentos económicos e financeiros mantém-se basicamente o que já existe, como o caso dos fundos públicos (mal dotados e pior regulados), fala-se em remuneração dos serviços prestados pelo ambiente sem ser claro como será feita a análise e respetiva valoração e o já referido impactos nas contas públicas. A fiscalidade ambiental vem falar de neutralidade e equidade, mas mais uma vez não se percebe que tipologia de boas práticas é que serão desoneradas, havendo um excessivo enfoque no agravamento das penalidades às indústrias poluentes (nada sobre depreciação de património natural).

Nos instrumentos de mercado, só se fala em emissões, quando em Espanha (para não ir mais longe) já existe regulamentação, por exemplo, para bancos de habitats. Nos instrumentos de avaliação e indicadores temos o que já tínhamos – pegada ecológica, impactos e certificações. Oportunidade perdida para a inclusão de indicadores de stock, estado e riqueza de capital natural e nada sobre contabilidade ambiental um pouco mais sofisticada.

Enfim, perdeu-se uma boa oportunidade, justificando-se de facto os votos contra dos partidos da oposição que solicitaram um mais amplo debate público, envolvendo, entre outros, a Academia. Administrador ISG Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

Artigo de Opinião – Jornal de Negócios 
Carlos F. Vieira – Administrador ISG

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